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Da raiz aos frutos, as palmeiras são riquezas das populações amazônicas

Elegantes. Úteis. Diversas. Dominantes. Elas estão entre as plantas mais importantes do bioma amazônico e tem lugar de destaque no Parque Zoobotânico do Museu Goeldi, que possui uma coleção especial com mais de 60 espécies. Um elenco de 5 palmeiras encerra a série multimídia “As Anciãs do Museu Goeldi”, a terceira do projeto Viva Amazônia.
publicado: 25/08/2017 09h00, última modificação: 20/11/2017 11h28
Exibir carrossel de imagens Suellen Dias Miriti ou Buriti (Mauritia flexuosa L.f.)

Miriti ou Buriti (Mauritia flexuosa L.f.)

Agência Museu Goeldi - Antes da chegada dos colonizadores portugueses em 1500, o Brasil era conhecido como Pindorama, palavra do tupi-guarani que significa “terra das palmeiras”. A abundância, utilidade e a beleza dos detalhes conferiram a elas um lugar de importância na cultura material dos povos pré-coloniais.

Séculos mais tarde, ao organizar seu horto botânico com uma coleção representativa da flora amazônica, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) destaca a importância das palmeiras na região com a criação de um palmário de espécies nativas. Desde 1895 dezenas de palmeiras são cultivadas no espaço de 5,4 hectares do Parque Zoobotânico, compondo parte significativa da coleção viva do Museu. É sobre este centenário acervo que falaremos na última edição da série “As Anciãs do Museu Goeldi”.

Palmaceae - As palmeiras pertencem à família Arecaceae e se diferenciam das demais plantas por apresentarem características peculiares. Podem ser solitárias ou agrupadas, podem germinar por sementes ou rebrotar formando touceiras, de estipes mais finos ou de diâmetros maiores. Algumas são de grande porte, outras nem tanto. O caule é lenhoso e cilíndrico, coroado por um penacho de folhas. As folhas mais alongadas são características físicas que conferem identidade às palmeiras, que ao esvoaçar ao vento se movimentam como em uma dança.

Palmeiras na entrada do Museu Goeldi na Av. Magalhães Barata“Elas têm a maior área foliar entre diversas plantas e também algumas têm a capacidade de se reproduzirem assexuadamente por “rebrotação ou perfilhamento”, aponta Mário Augusto Jardim, engenheiro florestal, pesquisador da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi e especialista na palmeira Euterpe oleracea Mart. (onde o fruto do açaí faz a alegria dos paraenses).

As populações tradicionais mantêm estreita relação com as palmeiras, que por meio da produção de frutos e de outros insumos (folhas, cacho, madeira, raiz, seiva e palmito) que oferecem, movimentam a economia e fazem parte das culturas amazônicas. Este grupo de plantas está entre as 227 espécies de árvores que são hiperdominantes no bioma amazônico (clique aqui para saber mais sobre este assunto).

No Zoobotânico - E não é de hoje que a presença na paisagem, a importância botânica e socioeconômica das palmáceas instiga o interesse de naturalistas. No Museu Goeldi, pesquisas sobre elas são realizados desde o final do século XIX, quando foi feita a aclimatação de espécies no horto da instituição para o estudo taxonômico.

Ao percorrerem o Zoobotânico, os visitantes do Museu Goeldi podem acreditam estar em uma floresta primária, mas na verdade o espaço é organizado para agrupar nos canteiros as espécies por famílias botânicas, funcionando como uma sala de aula e um laboratório natural onde pesquisadores, técnicos, professores, alunos e o público em geral podem estudar, observar, ou simplesmente apreciar os elementos e processos da natureza amazônica. A coleção viva de palmeiras está mais concentrada no que hoje é conhecido como o “quadrante da memória” - a base física é dividida em quadrantes.

Contudo, com as mudanças das concepções de musealização do Zoobotânico, atualmente as palmeiras são avistadas compondo diversos cenários no Parque do Museu Goeldi. Esses cenários simulam o habitat natural das espécies em exibição - terrenos encharcados (como ao redor do lado das vitórias-régias), ou solos de terra-firme. Nos ambientes históricos ou recentes são preservadas cerca de 60 espécies de palmeiras, em sua maioria nativas da Amazônia, mas é possível perceber plantas de outras partes do Brasil e do mundo.

“O Parque do Museu Paraense Emilio Goeldi concentra o maior número de palmeiras da área urbana da cidade de Belém do Pará”, afirma Mário Augusto Jardim. Nesta coleção estão representadas palmeiras de elevada importância econômica e cultural para a região amazônica, como o miriti, o tucumã, o açaí, a jarina e o babaçu.

Assista ao vídeo sobre estas espécies de palmeiras:

 

Miriti ou Buriti (Mauritia flexuosa L.f.) - O miriti, palmeira também conhecida como buriti, é uma das maiores da Amazônia. Solitária e de tronco perfeitamente cilíndrico e reto, pode atingir alturas de até 35 metros. Apresentam frutos elipsoidais de até 7 centímetros, revestidos por escamas de cor avermelhada e polpa alaranjada ou amarelada.

Distribuído em toda a Amazônia e norte da América do Sul, o miriti é adepto aos terrenos alagados, como as beiras de rios e igarapés, onde podem ser vistos em grandes grupos. No Parque do Museu Goeldi, os miritizeiros ornamentam o lago da vitória-régia, formando uma bela moldura paisagística.

Paulo Cavalcante - especialista em frutas comestíveis da Amazônia, com atuação no Museu Goeldi entre as décadas de 1960 a 1980 – registrou em um de seus livros a produção de um miritizeiro plantado no horto do Museu Goeldi. Oito cachos foram contabilizados em uma única safra, que produziram 728 frutos, gerando uma estimativa de 5.700 frutos naquele exemplar. “Em todos os seus aspectos, o buriti parece ser extraordinário, seja em populações, seja no porte ou na frutificação”, escreveu Cavalcante no livro “Frutas Comestíveis na Amazônia”.

Além de se alimentarem dos frutos, as comunidades amazônicas ressignificam a palmeira, utilizando-a de diversas formas: as folhas, as fibras e os brotos são explorados na confecção de cestarias, do tipiti (objeto cilíndrico utilizado para espremer a massa da mandioca), paneiros, mantas, esteiras, redes e outros produtos. As folhas também são muito utilizadas na cobertura de casas.

Da polpa do fruto é possível fabricar uma diversidade de alimentos derivados, como sorvetes, geleias, licores e o vinho, que tem preparo semelhante ao do açaí. Também do fruto é extraído um óleo avermelhado utilizado na medicina tradicional como cicatrizante e para aliviar dores causadas por queimaduras. O líquido adocicado que sai do estipe das palmeiras é refrescante e pode ser ingerido como água.

Tucumã (Astrocaryum vulgare Mart.) - O tucumã é uma palmeira que brota em touceiras de 4 a 6 indivíduos agrupados. Pode chegar aos 10 metros de altura e ter estipe de 10 a 20 centímetros de diâmetro, recoberto de espinhos pretos de aproximadamente 20 centímetros de comprimento, que atuam como proteção contra insetos. Suas folhas pinadas e espinhosas medem aproximadamente 7 metros de comprimento.

Seus frutos são elipsoidais e podem atingir 3-5 cm de altura quando maduros. A polpa do tucumã é alaranjada, fibrosa, pode ter de 3 a 4 milímetros de espessura e é um importante componente nutricional, pois possui alta quantidade de provitamina A (caroteno). Paulo Cavalcante destaca que o consumo de apenas um fruto do tucumã (30g de polpa) é capaz de suprir 3 vezes mais a necessidade de vitamina A no organismo de uma criança e a dose normal para um adulto. Além das altas taxas de vitamina A, o tucumã também é rico em vitamina B e C e seu valor energético é de 247 calorias por 100g.

Jarina (Phytelephas macrocarpa Ruiz & Pavon.) - De caule curto ou acaule, a jarina é uma palmeira solitária que pode chegar aos 5 metros de altura quando adulta. Ela frutifica uma vez ao ano e cada exemplar da espécie produz, em média, de 6 a 8 cachos que podem atingir o tamanho de um crânio humano. Suas flores espalham pela floresta um intenso e inconfundível perfume.

Phytelephas macrocarpa Ruiz & Pavon. é endêmica do sudoeste e oeste da Amazônia, sendo que no Brasil é vista nos estados de Rondônia, Acre e Amazonas.

Miriti ou Buriti (Mauritia flexuosa L.f.)As populações humanas mantêm fortes relações socioeconômicas com a espécie, já que é uma das palmeiras de expressivo valor econômico por ser conhecida como “o marfim vegetal”. As amêndoas produzidas dentro das sementes são consideradas gemas orgânicas raras, por isso são largamente utilizadas na confecção de biojoias.

A semelhança ao marfim de origem animal deve-se à cor branca e ao brilho, embora a resistência e a duração das sementes sejam inferiores.

As propriedades físicas que permitem comparar a amêndoa da jarina ao marfim são conhecidas desde o início do século XX, quando a semente foi bastante usada para a confecção de botões, e só perdeu seu posto como matéria prima na confecção destes produtos quando foi substituída pelo plástico.

As relações antrópicas em torno da jarina também configuram ameaças à espécie. Mário Jardim alerta para possíveis danos à sustentabilidade da espécie em ambiente natural. “A semente de jarina é coletada para fins comerciais e novas plantas não estão surgindo. Isso causa um impacto nas populações da palmeira e, se neste atual momento não forem tomadas providencias para o manejo racional dessa espécie, ela tende a se extinguir”, atenta o pesquisador.

Uma semente de jarina leva em torno de três anos para germinar e o extrativismo não sustentável, sem o replantio da palmeira, é o principal fator que pode afetar a existência da espécie endêmica, explica Jardim.

Babaçu (Orbignya speciosa (Mart.) Barb. Rodr.) Nativo das regiões Norte e Nordeste, o babaçu chega aos 20 metros de altura com estipe que apresenta uma característica peculiar: ele agrega restos de folhas envelhecidas que caem. Aliás, as folhas ganham destaque na vegetação, pois podem atingir até 8 metros de comprimento, agrupadas de 15 a 20, sempre buscando o céu como sentido de crescimento.

Suas flores amareladas são reunidas em cachos longitudinais, já os frutos são ovais, têm cor castanha e casca extremamente dura, que conservam amêndoas oleaginosas.

O óleo extraído das sementes é aplicado na fabricação de sabão, glicerina e azeite comestível.

Para se chegar aos produtos finais, o babaçu passa por um processo de coleta e tratamento bastante artesanal, que envolve mulheres na quebra das cascas. Essa atividade é muito antiga e consiste na abertura dos frutos a partir da utilização de fios de machados e porretes.

Amir Lima, agrônomo e responsável pelo setor de flora do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi, explica o tipo de manejo feito para o babaçu no Zoobotânico: “Não podemos deixar muitos indivíduos crescerem no Parque. A medida que se percebe que a quantidade de plantas jovens está elevada, começamos a fazer a eliminação desses espécimes porque, do contrário, o babaçu dominaria grandes áreas dentro do Parque”, conta.

Açaí (Euterpe oleracea Mart.) A palmeira mais representativa do estado do Pará por sua importância social, econômica e cultural, é também uma das belas da Amazônia.

Esguia, de caule liso e ligeiramente curvado, pode atingir até 30 metros de altura em touceiras de aproximadamente 25 plantas em diferentes estágios de maturidade. No alto, o capitel consagra a beleza do açaizeiro com cerca de 12 a 14 longas folhas. O diâmetro do tronco varia de 15 a 25 centímetros, já os frutos redondos com pouca polpa medem de 1 a 1,5 centímetros de diâmetro. A formosura da palmeira é um chamariz para paisagistas que a utilizam em diferentes composições.

A palmeira é disseminada por toda Amazônia, desde o Maranhão até as Guianas e Venezuela. É nativa de várzeas e igapós, assim como dos solos de terra-firme.

Foram registradas 49 espécies relacionadas ao gênero Euterpe nas Américas do Sul e Central, mas nenhuma se iguala em qualidade às nativas da Amazônia, seja no quesito botânico, econômico, na quantidade de indivíduos por área, na regeneração natural e outras características, de acordo com os escritos de Paulo Cavalcante. No Brasil são encontradas 9 espécies de açaí, já na Colômbia existem 19.

Do açaí, tudo se aproveita: folhas, frutos, cacho, palmito, tronco e raiz. O palmito é muito apreciado e explorado pela indústria, e este é um dos principais fatores de risco à espécie que, mesmo tendo sucesso no rebrotamento natural, ainda causa preocupação em especialistas.

As folhas são utilizadas na cobertura de casas, bem como na confecção de cestarias, em especial na produção de uma cesta utilizada como medida padrão no transporte e no comércio dos frutos nas cidades. O estipe é empregado localmente em pequenas construções, a raiz e a pasta do palmito são aproveitados em medicamentos naturais.

O fruto roxo é o principal produto extraído nas safras de julho a dezembro. Ele faz parte da alimentação cotidiana dos paraenses, sobretudo das populações ribeirinhas, cujo vinho - preparado de forma mecânica ou manual - é consumido como um complemento alimentar que acompanha peixes e camarões. A bebida também é regionalmente consumida com farinha de mandioca, de tapioca e açúcar. A fruta é rica em proteínas, fibras, lipídios, é uma fonte de vitaminas C, B1 e B2, e também possui boa quantidade de fósforo, ferro e cálcio.

Ao entrar no cardápio de outras regiões brasileiras, o suco do açaí passou a ter companhia da granola e frutas como banana e morango.

Mário Jardim tem um apreço especial pela espécie. “Como paraense, como amazônida, eu tenho um carinho por estuda-la há 28 anos. Sei que ainda tenho muito a aprender com ela, assim como os amazônidas paraenses. Aprender a conhecer do ponto de vista biológico, da importância paisagística, da importância da relação humana, não só como consumidores do produto, mas como amor à natureza”, disse.

Anciãs – O conjunto de palmeiras faz parte da coleção botânica histórica que teve início com a constituição do Parque Zoobotânico do Museu Paraense. O Parque foi inaugurado em 1895 pelos naturalistas suíços Jacques Huber e Emílio Goeldi. Em homenagem aos 150 anos da instituição, a série “As Anciãs do Museu Goeldi” apresentou as árvores e plantas mais antigas e simbólicas para o Museu Paraense Emílio Goeldi. Você pode baixar aquarelas para usar como wallpaper no seu celular ou desktop.

A série multimídia faz parte do projeto Viva Amazônia (do Laboratório de Comunicação Multimídia - LabCom e da Escola da Biodiversidade Amazônica - EBIO), e sua realização teve a parceria das coordenações de Museologia - CMU, através do projeto “A transformação da paisagem do Parque Zoobotânico durante os primeiros 50 anos de existência”, desenvolvido pela Dra. Lilian Flórez, e de Botânica – COBOT, e ainda dos serviços do Parque Zoobotânico – SEPZO e de Informação e Documentação – SEIDO.

 

Texto: Mayara Maciel

Vídeo: Fernando Cabezas