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Agência de Notícias

Descoberta de novas espécies pode mudar prioridades de políticas ambientais

publicado: 06/05/2013 15h45, última modificação: 13/08/2017 10h55

É consenso entre os estudiosos da região que a Amazônia ainda está longe de conhecer toda a sua biodiversidade. O que agora um grupo de pesquisadores começa a mostrar, com o avanço tecnológico e científico, é que a riqueza biológica pode ser ainda bem superior ao que já apontavam as pesquisas existentes.


Ao aplicarem novos métodos de análise genética no estudo de exemplares de aves encontradas na região, eles descobriram que algumas espécies “escondiam” outras diferentes, até então não reconhecidas cientificamente. 

É a partir desse progresso nos métodos de pesquisas que agora os cientistas são capazes de identificar traços singulares. A dificuldade em distinguir novas espécies, resultava em números que subestimavam o patrimônio genético localizado em campo. O número de espécies endêmicas (aquelas que, em função de clima, temperatura e outros critérios, só se encontram aqui na nossa região) pode dobrar até 2050, reforçando o conhecimento sobre o que torna a Amazônia diferente das outras áreas de vegetação tropicais e a importância de garantir políticas para a valorização, inclusive econômica, disso.

Com isso, somente agora neste mês de maio 15 novas espécies de aves serão anunciadas pelo 15º volume da enciclopédia internacional “Handbook of the Birds of the World” (em português, Manual ou Coletânea de Aves do Mundo), muito usada por especialistas da área e amadores. 

Elas foram descritas por meio de artigos científicos assinados por autores ligados ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e aos Museus Paraense Emilio Goeldi (MPEG), de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP) e de Ciência Natural da Universidade Estadual da Louisiana.  Desse total, onze são endêmicas da Amazônia brasileira e as demais são encontradas também nas florestas do Peru e Bolívia. 

“Por que as espécies endêmicas são importantes? Entre outros motivos, porque não há como conservá-las em nenhum outro local, não temos essa margem de manobra, o que é possível com espécies que se distribuem geograficamente de outras formas”, explica o biólogo Alexandre Aleixo, coordenador do Laboratório de Biologia Molecular e curador da Coleção Ornitológica do Museu Goeldi e responsável pela pesquisa que resultou na descrição das novas espécies, realizada com o apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia.

Ele também aponta que, entre os efeitos sobre a tomada de decisão politica, esse tipo de informação deve fazer com que Ministério do Meio Ambiente e as secretarias estaduais atuem também para proteger novas áreas de interesse para conservação, compreendendo que são os locais em que essas espécies estratégicas se encontram. 
“Para quem faz gestão ambiental, essa informação é fundamental. Quando essas espécies eram consideradas apenas variedades de menor importância, os esforços e recursos se concentravam para a preservação de outras áreas. Agora, ao reconhecer a existência desse patrimônio genético, as prioridades políticas mudam, para atender também a esse novo quadro”, arremata o pesquisador.

Além disso, dependendo do grau de intervenção humana ou de degradação sobre as áreas de ocorrência de espécies ainda desconhecidas, há o risco de algumas se perderem antes mesmo do reconhecimento ou de já serem incorporadas a listas de espécies vulneráveis, ou ameaçadas de extinção, logo após a descrição científica.

Surgimento das espécies - As pesquisas atuais das espécies amazônicas reconhecem cada vez mais a importância histórica das alterações iniciadas no planeta Terra há milhares e milhões de anos, como a formação rios, os ciclos climáticos, o surgimento de barreiras naturais e a composição dos ecossistemas, para o surgimento de novas plantas e animais encontrados hoje na Amazônia.

Um exemplo foi a pesquisa sobre os jacamins, por meio da qual a autora Camila Ribas, do Inpa, explicou como, nos últimos três milhões de anos, sugiram nas florestas amazônicas diversas espécies de um mesmo gênero, diferenciadas pela cor de suas plumagens e geneticamente. 

Realizado em colaboração com outros pesquisadores do Museu Goeldi, do Museu Americano de História Natural, da Universidade Federal do Pará e da Universidade de São Paulo, o estudo permitiu reconhecer geneticamente oito espécies que antes eram consideradas apenas três, com o aparecimento de cada uma delas explicado por fatores que vão das mudanças geológicas, responsáveis pela formação das florestas de terra firme no Oeste e no Centro da Amazônia, à colonização dessas áreas por linhagens de jacamins e a sua adaptação às condições dos novos ecossistemas definidos pelo surgimento de rios como o Madeira, o Tapajós, o Negro, o Xingu e o Tocantins.

“Além de produzir informações essenciais ao avanço do conhecimento sobre a região e a política ambiental, essas análises ajudaram a qualificar pessoas, na medida em que muitas foram desenvolvidas por alunos ligados a programas de pós-graduação de várias universidades, o que também é prioridade nossa, porque precisamos de gente cada vez mais qualificada para lidar com essa realidade complexa”, acrescenta a pesquisadora Ima Vieira, coordenadora do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia.

 

História ajuda a prever reações das florestas diante das mudanças climáticas globais

Quando os pesquisadores associam a história de formação dos ecossistemas amazônicos a outras variáveis, como temperatura e umidade, mais ou menos elevadas que hoje, mapeando os ciclos climáticos pelos quais o planeta passou há milhares de anos, eles também conseguem prever como a biodiversidade pode reagir às mudanças ambientais futuras para os anos de 2020 e 2050, por exemplo.

Além desses fatores, o grupo também considera a possibilidade das áreas protegidas, como as Unidades de Conservação e Terras Indígenas, continuarem ou interromperem a função de refúgio das espécies animais e vegetais, assim como a estabilidade dos ciclos biogeoquímicos regionais.  

“A gente já tem o indicio de que a biota da Amazônia é relativamente resistente às mudanças climáticas. A grande questão em aberto - porque a história só pode explicar até certo ponto -, e que dificulta as previsões futuras, diz respeito à intervenção humana sobre as florestas, que nunca foi tão elevada quanto hoje”, reflete Alexandre Aleixo.
Os resultados também apontam que, ainda que as mudanças climáticas naturais não tenham sido decisivas para o surgimento das espécies, elas foram determinantes nos movimentos migratórios, sendo hoje responsáveis pela localização geográfica das mesmas nas áreas de florestas.

Somado a essa informação, o processo de degradação natural dos ambientes tem se intensificado de forma alarmante por atividades como a formação de pastos e a abertura de estradas, entre outras, que tendem a isolar territórios pelos quais essas espécies podem transitar, e assim garantir a sua existência em médio e longo prazos. Essas áreas fortemente alteradas pela ação humana também podem se tornar climaticamente mais instáveis. 

Diante desse quadro, mesmo as unidades de conservação, que hoje desempenham bem o seu papel, devem ficar bastante descaracterizadas com o declínio das funções dos ecossistemas e grandes perdas de biodiversidade.

“A situação é ainda mais complicada para a Amazônia Oriental, região em que o estado do Pará se situa e onde os modelos previram no passado a substituição de grandes áreas de florestas por vegetação não-florestal. Este quadro deve se repetir no futuro, só que de forma ainda mais intensa. Considerando o valor da conservação da diversidade biológica, o cenário é ainda mais desafiador para que os governos atuem de forma estratégica desde agora”, encerra o pesquisador.

 

Texto: Brenda Taketa