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Agência de Notícias

Festa do Cauim: tradição Ka’apor em exposição no Museu Goeldi

Durante a inauguração da exposição nesta sexta-feira no Museu Goeldi, o povo Ka´apor da TI Alto Turiaçu fará um dos rituais que compõem a Festa
publicado: 23/10/2014 16h56, última modificação: 27/11/2017 16h11

Agência Museu Goeldi - O Museu Paraense Emílio Goeldi abre nesta sexta-feira, 24, seu principal pavilhão expositivo para apresentar a cultura do povo Ka’apor, através da festa do Cauim. A festa é uma celebração que marca vários rituais de passagem ao longo da vida dos Ka’apor, como a iniciação feminina, o casamento, a posse do cacique e principalmente a nominação das crianças.

Durante a abertura da exposição “A Festa do Caium - Ka'apor  akaju  kawĩ   ta’yn  muherha”, um grupo de 30 indígenas da Terra Indígena Alto Turiaçu (MA) realizará o ritual da festa do Cauim, celebração que marca vários ritos de passagem entre o povo Ka’apor, como a iniciação feminina, o casamento, a posse do cacique e principalmente a nominação das crianças. Pela primeira vez este ritual será realizado fora da aldeia.

A exposição, que acontece no prédio da Rocinha, localizado no Parque Zoobotânico do MPEG, exibirá um rico acervo da cultura material Ka’apor, como objetos de arte plumária, cestaria, flechas, adornos de miçangas e sementes, além de indumentárias masculinas e femininas.

A mostra também contará com Fotografias do acervo do Museu do Índio e vídeos de registro da festa do Caium, com imagens capturadas na década de 1960 e a partir de 2007 nas aldeias Ka’apor. Na abertura da exposição, o artesanato produzido nas aldeias Ka’apor estará à venda.

A antropóloga do Museu Goeldi, Claudia López, curadora da exposição e estudiosa das dinâmicas sociais e culturais da etnia Ka’apor, afirma que “apresentar as tradições Ka’apor é uma maneira de mostrar que o povo está vivo, que resiste, que tem uma cultura viva e que eles estão defendendo seu território”. A curadoria da exposição também conta com Valdemar Ka’apor, Teon Ka’apor e Elizete Tembé. Laura van Broekhoven e Mariana Françozo, do Museu Nacional de Etnologia, localizado na Holanda, também fazem parte do grupo de curadores da mostra.

Após a abertura da exposição no dia 24, o pavilhão da Rocinha passará por um período de manutenção entre os dias 25 e 29 de outubro, reabrindo para visitação pública no dia 30 deste mês. A exposição Ka’apor segue até 28 de setembro de 2015.

Festa do Caium – Tradição do povo Ka’apor, a festa do Cauim geralmente acontece durante a lua cheia no mês de outubro e marca um processo de construção de identidade e formação das pessoas desta comunidade.

O Cauim é uma bebida fermentada feita a partir do suco de caju e é compartilhado por todos da aldeia durante os rituais de passagem. Quem prepara o Cauim precisa obedecer a algumas exigências durante as horas diárias de elaboração da bebida, como evitar contato sexual, além de não poder comer e beber.

Os homens Ka’apor têm participação importante na elaboração da festa. São eles quem constroem a casa onde os festejos acontecem, que inicia com a retirada de madeira da floresta. Também são eles os responsáveis pela confecção da indumentária usada no ritual, como os objetos plumários. Já as mulheres dedicam-se à produção das redes e tipoias.

Nominação das crianças - A nominação é a celebração mais importante dos festejos do Cauim. É nele que o pequeno indígena ganha identidade.

A criança a ser nominada é embalada nos braços do padrinho por um longo tempo ao som do apito feito de canela de gavião, enfeitado com plumas.

O ritual termina quando o padrinho devolve a criança aos braços dos pais e coloca um cocar na cabeça do afilhado dizendo seu nome.

Iniciação feminina – É a partir da iniciação feminina que as moças tornam-se mulheres preparadas para casar e ter filhos.

A passagem acontece durante a primeira menstruação, quando a moça fica em retiro em sua própria moradia, em silêncio, apenas ouvindo os ensinamentos da mãe e da avó sobre a vida adulta e sobre a tecelagem de algodão, atividade típica das mulheres.

Após o período de recolhimento, a jovem iniciada prepara iguarias da culinária Ka’apor para todos da comunidade e tem seu cabelo cortado pelo pai. Quando o cabelo cresce novamente, está pronta para o casamento. Na festa do Cauim as moças se apresentam com indumentárias femininas e ficam sentadas sobre uma esteira de ramos de açaí.

Casamento – A festa do Caium é uma ocasião onde também pode ser celebrado o matrimônio. Segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, a noiva é entregue pelo pai a seu companheiro e repousa seus seios nos joelhos do noivo, que a espera. Ele, por sua vez, coloca as mãos sobre a cabeça da noiva e após a cantoria, dançam e firmam seu compromisso.

Povo Ka’apor – As aldeias Ka’apor estão localizadas na Terra Indígena do Alto Turiaçu, que fica ao norte do estado do Maranhão. Segundo informações do o Instituto Socioambiental (ISA), atualmente existem cerca de mil indígenas da etnia vivendo na TI.

Essa comunidade mantém relações culturais e identitárias diretas com a floresta. É dela que retiram a matéria-prima para a confecção de objetos de uso cotidiano e de artesanato, principal fonte de renda para muitas famílias desta população. Também é na mata e na terra que buscam sua subsistência, por meio da caça, da extração florestal e da agricultura.

Algumas aldeias Ka’apor desenvolveram uma forma de comunicação específica para não ouvintes. Trata-se de uma linguagem de sinais composta de gestos comuns, expressões faciais, mímica, articulação com o dedo indicador e com os lábios. O primeiro registro em imagem desta linguagem foi feito por Vladimir Kozák durante uma viagem feita entre 1958 e 1959.

Desde o final dos anos de 1950 e início da década de 1960, período que marca o projeto de integração nacional e ocupação populacional da Amazônia, tendo como marco a construção da estrada Belém-Brasília, os indígenas Ka’apor sofrem com a violência. Desde então, os conflitos socioambientais, principalmente contra madeireiros, tornaram-se recorrentes.

último conflito foi registrado no mês de agosto, quando madeireiros invadiram a TI Alto Turiaçu para retirar madeira de forma ilegal, provocando o desmatamento em uma área extensa da reserva. Para conter o desflorestamento, os Ka’apor desenvolveram estratégias próprias de proteção de seu território contra a exploração madeireira ilegal. “O Museu Goeldi oferece dados de pesquisa que podem contribuir para criar políticas públicas e pra enfatizar novamente que o território Ka’apor precisa estar livre de invasões e que as autoridades competentes devem atuar”, diz Claudia López. Leia o Manifesto do Povo indígena Ka’apor da TI Alto Turiaçu e a Moção de Apoio ao Povo Ka’apor publicada por pesquisadores.

Texto: Mayara Maciel