Você está aqui: Página Inicial > Notícias > Nota pública dos pesquisadores do Goeldi sobre a extinção da RENCA
conteúdo

Agência de Notícias

Nota pública dos pesquisadores do Goeldi sobre a extinção da RENCA

publicado: 31/08/2017 13h15, última modificação: 20/11/2017 11h03

Agência Museu Goeldi - Entre 2008 e 2009, o Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG liderou sete grandes expedições realizadas na Calha Norte do rio Amazonas, no estado do Pará. Ali, os cientistas encontraram espécies raras de plantas, peixes, mamíferos, aves, répteis e anfíbios. Essa região, associada às áreas protegidas do Amapá e Guianas, forma o maior corredor de biodiversidade de florestas tropicais intactas do mundo. A ação fez parte de uma empreitada ousada que uniu o Museu Goeldi, Governo do Pará e a ong Conservação Internacional para mapear um território cobiçado por mineradoras, madeireiras e pelo setor hidrelétrico.

Um caso em que a Ciência chegou antes de empresas e indústrias para gerar dados para gestão ambiental e o desenvolvimento regional, subsidiando também o processo de criação de grandes unidades de conservação no Pará, um dos estados que lideram o desmatamento na Amazônia. Após a criação das unidades, o MPEG já contestou publicamente tentativas de desafetar áreas protegidas naquela região.

Hoje, novamente, os pesquisadores do Museu Goeldi publicam uma nota contrária a decisão do Governo Federal de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA), nos estados do Pará e Amapá, liberando a área para exploração mineral. O decreto presidencial, provisoriamente suspenso por determinação de juiz federal, impacta negativamente o mosaico de áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) na calha norte, o que causará, a médio e longo prazo, perdas irreparáveis à sociobiodiversidade do bioma amazônico.

Leia abaixo a íntegra da nota.

 

NOTA TÉCNICA SOBRE A EXTINÇÃO DA RESERVA NACIONAL DE COBRE E ASSOCIADOS (RENCA)

Os pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), a mais antiga instituição científica da Amazônia, com 151 anos de existência, manifesta sua profunda discordância com a liberação de uma grande área para a exploração de minérios na Calha Norte da Amazônia, entre os estados do Pará e Amapá. Dois decretos presidenciais sucessivos, com poucas diferenças entre si, extinguiram a Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA), criada em 1984.

A RENCA compreende nove áreas protegidas nos estados do Pará e Amapá: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e a Terra Indígena Waiãpi, onde vivem os Wajãpi, e a Terra Indígena Rio Paru d’Este, habitada pelos Wayana e Aparai. Desde o início do século XX o Museu Goeldi atua na região da Calha Norte.

Pesquisas antropológicas são efetivadas desde 1975 entre os povos indígenas Wayana e Aparai da Terra Indígena Paru D ́Este, cuja identificação pela FUNAI foi de responsabilidade de pesquisador da instituição. Além dessas atividades, o Museu Goeldi ali realiza diversas investigações sobre o ecossistema. Os estudos demonstram a grande biodiversidade da área, com a presença de diversas espécies endêmicas (restritas ao local), sendo algumas ameaçadas de extinção e que constam nas listas oficiais do IBAMA e do Governo do Pará, como também assinalam que as Terras Indígenas são comprovadamente fundamentais para a conservação da biodiversidade e contenção do desmatamento na Amazônia.

Historicamente, a atividade de mineração na Amazônia e em outros biomas brasileiros está associada à perda de biodiversidade e agravamento de problemas sociais. Com a liberação da área para a mineração, irá advir um aumento exploratório na região com consequências danosas à biodiversidade e às comunidades residentes, tais como o aumento do desmatamento, aumento demográfico, caça predatória, extração de recursos florestais e contaminação de rios e do lençol freático.

Apesar do governo federal afirmar que não será permitida a exploração mineral dentro de unidades de conservação e terras indígenas, um grave problema deve ser ressaltado: a exploração irá ocorrer no entorno das áreas protegidas, tornando-as mais vulneráveis em função da deficiente fiscalização. Por exemplo: segundo informações divulgadas pela imprensa, cerca de 154 requerimentos de pesquisa mineral já foram protocolados junto ao DNPM e serão analisados com a liberação da RENCA à exploração mineral. Além disso, o decreto federal abre um dano potencial, que tende a crescer com a possibilidade de algumas unidades de conservação sob a jurisdição estadual do Pará e Amapá, serem simplesmente extintas por eventual decisão das assembleias legislativas estaduais, estimuladas pela ação da União.

Ao extinguir a RENCA, o governo federal elimina o mais amplo corredor de conservação na Calha Norte da Amazônia, provocando um efeito dominó desastroso não apenas ao meio ambiente e as populações regionais, mas também à sociedade nacional, que será prejudicada pela perda de serviços ecossistêmicos e insumos gerados pela floresta. Tal decisão poderá também comprometer os compromissos internacionais do Brasil na COP21, quando o país as sumiu a responsabilidade de reduzir fortemente suas emissões de gases de efeito estufa, redução que depende essencialmente da diminuição do índice de desmatamento da Amazônia.

Por tudo isso, o Museu Paraense Emílio Goeldi repudia a decisão do governo federal, que causará, em médio e longo prazo, perdas irreparáveis à sócio biodiversidade da Amazônia, descaracterizando o passado, empobrecendo o presente e contaminando o futuro.