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Agência de Notícias

O papel dos museus de história natural na formação de especialistas para a Amazônia

Durante a aula inaugural, Nelson Papavero destaca a história da pesquisa sobre a biota local, a contribuição decisiva dos povos indígenas e o papel do novo programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Evolução do Museu Goeldi
publicado: 16/09/2015 16h45, última modificação: 28/02/2018 11h35

Agência Museu Goeldi – O Programa de pós-graduação em Biodiversidade e Evolução (PPGBE) do Museu Goeldi já nasce com um perfil agregador e como um marco histórico para a ciência na Amazônia. A aula inaugural do Programa ocorreu na ultima segunda-feira (14), e reuniu estudantes, o corpo técnico da instituição, seus gestores e um convidado especial, o pesquisador Nelson Papavero (MZ/USP).

Na mesa de abertura dos trabalhos acadêmicos do Programa, o diretor do Museu Goeldi, Nilson Gabas Junior, agradeceu o trabalho da ex-coordenadora de pesquisa e pós-graduação do Goeldi, Marlúcia Martins, que motivou e reuniu informações que subsidiaram a implantação do curso. Em sua fala, Gabas Jr. destacou o papel estratégico dos institutos de pesquisa na formação de recursos humanos na região. “O Museu Goeldi é um instituto estratégico na Amazônia, sendo necessário pensar também na formação em um sentido mais ‘catedrático’.

A atual coordenadora de pesquisa e pós-graduação do Museu Goeldi, Ana Vilacy Galúcio, destacou por sua vez que, após 30 anos de participação efetiva na formação em nível de pós-graduação com as instituições regionais de ensino superior, o Museu inicia seu primeiro curso de forma autônoma. “É essa experiência prévia de parcerias de longa data que nos permite estar hoje aqui, nesta aula inaugural”, enfatizou Vilacy. Ela parabenizou, emocionada, o corpo docente e os estudantes aprovados na primeira turma do Museu “saibam que vocês estão de fato fazendo história com o Museu Goeldi. Estou muito feliz de estar aqui, também participando desse momento” disse Ana Vilacy.

Sobre a importância histórica da criação do curso, seu coordenador, Alexandre Aleixo, explicou que o fato de uma pós-graduação ser criada de maneira autônoma no segundo museu de história natural mais antigo do Brasil, que também é a instituição de pesquisa mais antiga da Amazônia, tem a ver com o novo papel que os museus têm desempenhado no mundo inteiro.

“Ao longo das ultimas décadas os museus de história natural passaram a ganhar um status diferente. Os primeiros espécimes coletados no Brasil foram muito importantes para descrever a biodiversidade. E hoje, passados séculos, esses mesmos espécimes ainda tem um valor incalculável. Ferramentas tecnológicas como o sensoriamento remoto e técnicas de estudo ligadas ao DNA acrescentaram mais valor cientifico a eles. Então os museus de história natural, instituições como o Museu Goeldi, que detém coleções bastante significativas, passaram a ter uma importância central na pesquisa ligada a biodiversidade, ao colocar os seus espécimes centenários à disposição da sociedade”, considera Aleixo.

Impacto regional – Apesar da melhoria do número de titulações de mestres e doutores no Brasil, a região amazônica ainda carece tanto de pesquisas quanto de formação qualificada. Segundo o site Observatório do PNE, a região Norte, que compõe a maior parte da Amazônia brasileira, formou 257 doutores no ano de 2013, enquanto que o Brasil como um todo titulou 15.287 no mesmo ano. Já os mestres titulados no norte do Brasil foram 1921 em 2013, enquanto que o país como um todo titulou 45.067. Naquele ano, portanto, o Norte formou apenas 1,68% dos doutores e 4,26% dos mestres do Brasil, apesar desta região compor mais de 2/5 do território nacional.

Já é possível projetar o impacto regional do PPGBE para a comunidade científica. Aprovada para o doutorado no PPGBE, a pesquisadora Eliane Furtado, de Macapá (AP), desenvolveu suas pesquisas de mestrado na Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). “O Museu é uma instituição de renome e como meu mestrado foi em Biologia Tropical, considerei que o foco evolutivo poderia oferecer mais abrangência a essas investigações. É uma linha nova para pensar a Amazônia”, pondera Eliane.

Outra candidata aprovada para o doutorado, Eliete da Silva Brito, é oriunda da cidade de Caxias, no Maranhão. Ela concluiu seus estudos de mestrado no Programa de Pó-graduação em Botânica, parceria da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) com o Goeldi, e agora segue os estudos de Doutorado no PPGBE. “Meu objetivo é ser pesquisadora universitária, então escolhi como locais da minha formação as instituições mais próximas de onde eu morava e que possuem melhores especialistas na minha área de interesse. Estou muito satisfeita e feliz de participar desse momento do Museu Goeldi”.

História e biodiversidadeNelson Papavero, pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), proferiu a aula inaugural do Programa. A aula focou na história do estudo da biota, tendo como base documentos tão antigos quanto a Bíblia e chegando até o início do período colonial no Brasil. Nesse ponto, Papavero fez questão de salientar a participação dos povos nativos no conhecimento da biodiversidade local. “São as tribos tupis que vão civilizar os franceses, portugueses e espanhóis que aqui chegam para que pudessem sobreviver. Podemos considerar que a primeira universidade multicampi brasileira eram essas tribos, espalhadas ao longo de toda a costa e que, mesmo sem registros escritos de sua cultura, acumularam um vasto conhecimento sobre astronomia, botânica e zoologia”.

Papavero destacou a contribuição da região para o desenvolvimento dos estudos biológicos. Com grande domínio da ciência biológica e da evolução deste conhecimento no tempo, ele manteve a curiosidade da audiência ao contar inúmeros episódios, como, por exemplo, as expedições de Alfred Russel Wallace, naturalista e precursor da ecologia e biogeografia. Wallace morou um período nos arredores de Belém e viajou por outras partes da Amazônia a partir de 1848, coletando e descrevendo diversas formas de vida e registrando os costumes locais. O naturalista pretendia comprovar na Amazônia sua teoria sobre a origem das espécies, tendo observado o papel que as barreiras físicas cumpriam para a diferenciação das mesmas, em especial como os rios amazônicos isolavam espécies de macacos. Infelizmente, o barco que o levava de volta à Inglaterra naufragou e a maior parte da sua coleta e registros na Região Amazônica se perderam. Posteriormente, estudos desenvolvidos por Wallace no arquipélago malaio foram os precursores da teoria da evolução.

Após contextualizar a importância da região para as pesquisas em biodiversidade no mundo e seus desdobramentos em outras áreas como história e geografia, Papavero deixou para os novos estudantes de mestrado e doutorado do Goeldi uma mensagem especial: “a profissão que vocês escolheram é linda, mas vocês vão sofrer bastante. Nunca percam o entusiasmo. Entusiasmo vem do verbo grego enthusiazen, que significa ser possuído por um deus. Então vocês também são deuses enquanto mantêm o entusiasmo. Dediquem-se, sacrifiquem-se para conhecer melhor a fauna, a flora e as populações amazônicas, porque vale a pena. A ciência é linda, mesmo com seus sacrifícios. E vale a pena”.

Texto: Uriel Pinho e Joice Santos