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Agência de Notícias

Pesquisadores estudam riscos da expansão do dendê no Pará

Pará é o maior produtor nacional de dendê, mas a expansão da cultura ainda se dá de forma desordenada
publicado: 29/04/2013 15h30, última modificação: 13/08/2017 11h42

Quando, em 1989, o governo federal desativou o Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira e Dendê (CNPSD), os estudos iniciados ainda na década de 40 do mesmo século foram praticamente interrompidos. 


Naquele momento, faltou aos responsáveis pela decisão prever que os mais de 20 anos que se seguiriam sem estudos intensivos deixariam uma lacuna significativa de informações, que hoje favorecem o crescimento desordenado da dendeicultura na Amazônia, especialmente no estado do Pará.
Eles também não imaginariam que, entre os efeitos indiretos da iniciativa, estaria o aumento do preço da farinha, por conta da diminuição da oferta advinda de algumas localidades, como o Acará.

Lá, a substituição de pequenas áreas de cultivo de mandioca por dendezeiros foi um dos variados fatores que justificaram a queda da produção, como apontam os pesquisadores Alfredo Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, e Ima Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi e que também coordena o Instituto Nacional Biodiversidade, em um artigo assinado conjuntamente na revista técnica “Amazônia Ciência & Desenvolvimento”.

“Houve quedas na produção de farinha de mandioca em alguns municípios em que o dendezeiro se expandiu, como o Acará, mas o fenômeno se deu também em outros municípios sem qualquer ligação com essa cultura, por outras razões”, explica Homma.

Ainda que não seja fator único da alta do preço, na medida em que agricultores familiares, responsáveis por grande parte dos alimentos consumidos nas mesas brasileiras, formam um público prioritário e têm aderido a programas empresariais ou arrendado terras para o plantio de dendezeiros, surgem questionamentos sobre o risco da diminuição da oferta se estender também a outros produtos essenciais, como o feijão, o arroz e o milho, entre outros.

“A hipótese quanto ao aumento do preço dos alimentos produzidos internamente seria pertinente se a expansão da palma de óleo se desse em função da substituição da área cultivada com culturas alimentares, o que, necessariamente, não precisa ocorrer”, rebate o professor da Universidade Federal Rural da Amazônia Fabrício Khoury Rebello, que atuou por mais de cinco anos como economista do Banco da Amazônia e desenvolveu sua tese de doutorado sobre a transformação da agricultura no Nordeste Paraense nas últimas décadas.

“Existe disponibilidade de áreas já alteradas para atender, conjuntamente, as duas demandas. Além disso, os projetos de cultivos integrados com palma de óleo firmados entre os agricultores familiares e as empresas que contam com incentivo financeiro oficial têm estimulado, em sua concepção, a destinação de parcela de área da propriedade para a manutenção das atividades tradicionais de agricultura e criações desse segmento”, completa.

Em contraponto, outros pesquisadores mantêm o alerta sobre possíveis problemas que podem resultar da forma desordenada como a cultura do dendê vem se inserindo na região Nordeste Paraense. Ao realizar pesquisas junto à comunidade de São Luís do Caripi, no município de Igarapé-Açu, por exemplo, o sociólogo Luiz Cláudio Melo Júnior, doutorando pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, elencou alguns dos efeitos constatados em âmbito local.

“A introdução e o crescente avanço dessa cultura tem provocado impactos sobre o meio ambiente e as relações socioeconômicas locais, gerando efeitos como a degradação do solo, a concentração da terra por poucos proprietários, a migração de antigos agricultores familiares para outros locais e a atração de empresários rurais, cuja lógica de atuação difere da que operavam os pequenos produtores rurais que ali se encontravam desde o início do século passado”, aponta.

Tendência de avanço - Lançado ainda em 2010 pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Programa de Produção Sustentável da Palma de Óleo no Brasil induziu a expansão da dendeicultura na região amazônica, cuja previsão de plantio aumentou para 350.000 hectares, destinados principalmente à produção de biodiesel. Hoje, as estimativas apontam para uma área já plantada de cerca de 150 mil hectares, somadas às 60 mil que já existiam anteriormente.

Com isso, no artigo publicado em conjunto com Ima Vieira, Homma também aponta que, no máximo em uma década, a tendência é que as atuais áreas de pastagens e de roças abandonadas sejam tomadas pela monocultura de dendezeiros, por todo o quadrilátero que apresenta como extremos as cidades de Santo Antônio do Tauá e Igarapé-Açu, na parte superior; e Paragominas e Tailândia, na inferior.

“Desde que os pequenos, médios e grandes produtores de dendezeiros cumpram com as exigências ambientais, adotem práticas agronômicas compatíveis, tenham constante respaldo de inovações tecnológicas para reduzir os riscos, cumpram com as obrigações sociais e não transformem os pequenos produtores como uma extensão das fábricas de beneficiamento, um desenvolvimento mais sustentável seria possível, dando ocupação para as áreas degradadas”, defende o pesquisador.

Ele também diz que, a fim de recuperar o tempo perdido, o hiato de duas décadas na produção de pesquisas começa a ser superado pela criação de um programa de pesquisa, conduzido pela Embrapa em parceria com outras instituições de pesquisa públicas e privadas.

Para diminuir o risco de quem investe neste tipo de produção, essa iniciativa deve ajudar a produzir informações sobre possíveis doenças e pragas, principalmente por conta do caráter homogêneo das plantações que, associado ao clima, comumente as tornam mais vulneráveis. Além disso, previsões sobre as variações nos mercados nacional e internacional de commoditiespodem facilitar a tomada de decisões por quem precisa gerir o seu empreendimento.

As pesquisas também podem auxiliar os órgãos governamentais que, por sua vez, precisam assegurar que novas frentes de desmatamento não serão abertas junto às áreas protegidas pela lei, como as de Proteção Permanente e Reserva Legal, e ainda evitar outros problemas, a exemplo do aumento da contaminação de nascentes por agrotóxicos, que já se acusa em municípios como Moju.

Outra possibilidade de atuação do Estado está em garantir relações mais equitativas entre as empresas de médio e grande porte, que têm firmado uma série de contratos para a compra do que é produzido por pequenos produtores.

 “Nos estudos desenvolvidos pelo INCT, uma das nossas maiores preocupações é justamente essa: evitar que a dinâmica estabelecida entre os agricultores e as empresas torne os primeiros suscetíveis a prejuízos, seja em função dos preços contratuais, das condições climáticas ou pelo empobrecimento do solo decorrentes desse novo tipo de produção”, complementa Ima Vieira. 


Em Moju, dendezeiros ocuparam extensas áreas de Preservação Permanente

Dados de outro estudo vinculado ao INCT Biodiversidade e Uso da Terra também apontam que no município de Moju, um dos que mais desmatam na Amazônia, as terras em que os dendezais foram implantados ou se expandem são as que mais apresentam degradação de nascentes d'água de pequeno porte e de Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Segundo os levantamentos, ainda restam nesse município cerca de 60% das florestas originais, grande parte delas em processo de degradação. 

Considerando as regras do Código Florestal, o município também possui 66% de Áreas de Preservação Permanente em situação irregular, especialmente as matas ciliares (situadas à margem de nascentes e rios), que foram igualmente destruídas ou fortemente alteradas por cortes seletivos ou pelo fogo.

“Entre os tipos de florestas protegidas, as APPs merecem atenção especial, em função da sua importância na prestação de serviços ambientais. Essas áreas, cobertas ou não por vegetação nativa, possuem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e da flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”, explica a autora do estudo Arlete Almeida, pesquisadora do Museu Goeldi.

Outra preocupação dos estudiosos se refere à legislação ambiental do estado, que inclui, entre os empreendimentos com baixo impacto ambiental que podem prescindir de licenciamento, as culturas de ciclo longo associadas aos sistemas agrosilvopastoris (aqueles que combinam plantações, florestas e pastos) da agricultura familiar.

Como o regulamento não detalha quais são essas espécies de ciclo longo, é possível que plantações de árvores exóticas sejam incluídas junto com as nativas, incluindo o dendezeiro no catálogo de opções “sustentáveis” recomendadas às propriedades familiares e também à recomposição obrigatória das áreas de APPs. 

O ecólogo Alex Lees, pesquisador visitante do Museu Goeldi, considera a opção alarmante, porque, cada vez mais, pesquisas em todo o trópico demonstram que não podem ser considerados baixos os impactos das plantações de dendê sobre os ecossistemas, já que elas hospedam poucas espécies nativas de flora e fauna e exigem grandes quantidades de agroquímicos e água.

Junto com Ima Vieira, ele alerta que qualquer decisão dos Conselhos do Meio Ambiente estadual ou federal deve aguardar uma investigação completa dos impactos biológicos e sociais da utilização do dendezeiro em agroecossistemas.

“Também não é concebível que o dendezeiro seja considerado uma alternativa à restauração de APPs, para não comprometer a integridade dessas áreas, que são ecologicamente sensíveis. Há terras suficientes para a expansão da cultura no Brasil, particularmente as degradadas, onde os impactos sobre a biodiversidade seriam mínimos”, defendem.

Texto: Brenda Taketa