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Agência de Notícias

Museu Emílio Goeldi no Belém+30

O Congresso da Sociedade Internacional de Etnobiologia teve ampla participação de pesquisadores, técnicos e colaboradores do Museu Goeldi, uma das instituições organizadoras do evento, que foi marcado por importantes discussões sobre direitos de povos e comunidades tradicionais e pela defesa e celebração da sociobiodiversidade do mundo.
publicado: 16/08/2018 16h52, última modificação: 18/08/2018 16h09
Sumy Menezes

Agência Museu Goeldi – A realização do maior evento de sociobiodiversidade do planeta foi resultado de um grande esforço coletivo. Três décadas depois, Belém voltou a receber o Congresso da Sociedade Internacional de Etnobiologia, contando com a participação de duas mil pessoas e movimentando diversos pontos da cidade. O evento, que ainda reuniu o XII Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, a IX Feira Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação e a I Feira Mundial da Sociobiodiversidade, contou com a organização do Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará e Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa, além das várias instituições parceiras.

Lamento e protesto – Marcada pela presença de quatro lideranças indígenas, entre eles o Cacique Raoni Metuktire, da etnia Kayapó,a solenidade de abertura do Belém+30 teve a participação de representantes de instituições científicas e gestores públicos, além de pesquisadores nacionais e internacionais.

 A diretora do Museu Emílio Goeldi, Ana Luisa Albernaz, fez a leitura da Carta de Belém, elaborada em 1988. “É uma honra poder representar o Museu Paraense Emílio Goeldi no Belém+30. Este é um espaço muito importante, uma vez que estamos vivenciando um momento de vários retrocessos na preservação dos recursos naturais e das comunidades e povos tradicionais. Precisamos desta troca de saberes para poder preservar”, discursou Albernaz.

A indígena Iracema Rã-Nga Nascimento, da etnia Kaingang, emocionou o público ao falar sobre a resistência e os ataques sofridos pelo seu povo. “Minha lágrima é para minha mãe terra, que deu tudo pra nós! Minha lágrima é por cada árvore que cai no chão e pelo veneno que estão botando na terra e na água. Quando será que nós vamos ter justiça?”, questionou Iracema. Durante a abertura, também houve apresentações de músicas e danças tradicionais da etnia Mebêngôkre-Kayapó.

Conhecimento científico e tradicional – Além das apresentações de artigos e pôsteres, alguns pesquisadores do Museu Goeldi foram responsáveis pela coordenação de sessões temáticas durante o congresso. Marlia Coelho-Ferreira e Claudia López estiveram à frente da sessão que discutiu o fortalecimento e reconhecimento do sistema de saúde Mebêngôkre-Kayapó. A atividade foi marcada pela presença de seis indígenas, que descreveram as diferenças entre os sistemas de saúde convencional e o sistema de saúde Kayapó, que, entre outras ações, recorre ao uso de plantas medicinais e ao saber dos pajés, além de reconhecer o papel da mulher na aldeia.

“Não dá para falar em práticas de medicina convencional e conhecimento indígena sem falar em território, em comunidades tradicionais. Nós, indígenas, temos essa preocupação”, destacou Takwyry Kayapó.

Cultura material e memória indígena – Benedita Barros e Regina Oliveira coordenaram a sessão temática intitulada “As pesquisas acadêmicas em áreas protegidas: contribuição para as políticas públicas de gestão e melhoria da qualidade de vida das populações locais”. Os trabalhos apresentados na ocasião tiveram como tema a biodiversidade, seus usos e formas de manejo, num incentivo à produção científica em áreas protegidas. Regina também apresentou o artigo “A lei do catador de caranguejo no Delta do Parnaíba: a construção do plano de gestão participativo para extração do caranguejo-uçá”.

A sessão “Memórias e patrimônios indígenas no noroeste amazônico: balanço e perspectivas” teve a participação de dois pesquisadores da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Goeldi. Além de ser um dos coordenadores da sessão, Márcio Meira apresentou o trabalho “Memória indígena e aviamento no noroeste amazônico”, fruto da sua tese de doutorado defendida em 2017. Com o artigo “O território dos ‘encantados’ e os povos indígenas do médio Rio Negro”, a pesquisadora Lucia Hussak van Velthem participou da sessão, que também reuniu indígenas dessa região da tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Venezuela), marcada por um antigo e intenso processo colonial.

A arqueologia e a influência humana na região amazônica estiveram entre os temas debatidos na sessão “As paisagens sociais na Amazônia”, coordenada pelo pesquisador Marcos Pereira Magalhães, que também apresentou o trabalho “A evolução social do homem na Amazônia Antropogênica”. Na mesma sessão, participaram as pesquisadoras Edithe Pereira, com o artigo “Arte rupestre, paisagem e ritual”, e Helena Lima, que apresentou o trabalho “Antropogênese na Floresta Nacional de Caxiuanã”.

Coleções e artefatos indígenas – Na sessão “Collections, exhibitions, plants and artifacts: ‘mise en scene’ of indigenous traditional knowledge” estiveram reunidos estudos dedicados às experiências contemporâneas de pesquisa colaborativa entre museus e povos indígenas. Elas são interpretadas, especialmente, em seus aspectos culturais e políticos e remontam à iniciativa impulsionada pelo antropólogo e biólogo norte-americano Darrell Posey.

A sessão foi organizada pelas pesquisadoras Lucia Hussak van Velthem e Pascale de Robert. Três dos seis estudos apresentados estão relacionados ao Museu Goeldi. Alegria Benchimol, em “A documentação da Coleção Aparai do MPEG”, demonstrou que os 206 objetos do povo indígena Aparai, coletados e depositados nas primeiras décadas do século XX por Curt Nimuendajú e Otto Schulz-Kampfhenkel, são resultado de expedições que os alemães realizaram de maneira independente e não de forma conjunta, como a princípio pode parecer.

A bolsista Ana Manoela Primo dos Santos Soares, indígena Karipuna, dedicou seu estudo “Da aldeia ao museu: o material e o imaterial na cultura do povo Karipuna do Amapá”, à análise da relação entre a socióloga Suzana Karipuna e o trabalho que desenvolve como técnica na Coleção Etnográfica Curt Nimuendajú, do Museu Goeldi, desde 1991.

Maria Santana Simas, por sua vez, apresentou o trabalho “Coleção Kayapó de Darrell Posey no Museu Goeldi: perspectivas interdisciplinares para o estudo de artefatos plumários”, em que descreve espécies de aves que deram origem às peças indígenas que fazem parte da exposição “Os Kayapó e Yairati. Saberes e lutas compartilhadas”, no Parque Zoobotânico.

Mosaico Gurupi – Marlúcia Bonifácio Martins coordenou as sessões “Os desafios da gestão participativa e integrada de áreas protegidas”, em que foram apresentados estudos realizados por ampla equipe de pesquisadores indígenas e não-indígenas, que propõem a formalização do Mosaico Gurupi, a fim de preservar a área mais ameaçada da Amazônia brasileira.

Localizada entre o oeste do Maranhão e o norte do Pará, o objetivo é reconhecer essa porção territorial definida como Corredor Ecológico da Amazônia Maranhense. As atividades tiveram a participação de indígenas das etnias Awa-Guajá, Guajajara, Ka’apor e Tembé, constantemente ameaçados pela exploração ilegal da região.

Festival de cinema Glenn Shepard coordenou a exibição de três filmes durante a sessão “The world of the forest and beyond: films by and about the Kayapó”, que também teve a participação do ecólogo Richard Pace, do produtor Paul Chilsen e de um grupo de indígenas Kayapó.

Entre os temas abordados nas produções audiovisuais, estavam as experiências de contato entre indígenas e não-indígenas, a castanha-do-pará e a tradição que envolve seu cultivo e venda e as danças Kayapó. No último filme exibido, os indígenas eram, ao mesmo tempo, protagonistas, editores e público-alvo, o que possibilitou a observação da perspectiva própria da etnia sobre estética e outros elementos expressos pela linguagem cinematográfica.

Lançamentos – Durante todos os dias do Belém+30, também houve sessões dedicadas ao lançamento de publicações, atividade organizada pelos pesquisadores Mário Augusto Jardim e Marlia Coelho-Ferreira. As sessões de lançamento foram um importante momento de interação entre os autores e os participantes do evento.

Ao todo, foram lançadas 31 publicações de autoria de pesquisadores e membros de povos e comunidades tradicionais. Os livros, revistas e cartilhas foram agrupados em seis grandes temas: etnobiologia, indígenas brasileiros, agrobiodiversidade e soberania alimentar, ribeirinhos amazônicos, comunidades pesqueiras e rurais e diversidade biológica e cultural.

Feiras de ciência e sociobiodiversidade – A movimentação foi intensa no estande do Museu Goeldi durante os quatro dias da Feira Mundial de Sociobiodiversidade, que reuniu representantes de populações tradicionais do Brasil e do mundo e expôs produtos da sociobiodiversidade da Amazônia. A diversão também foi garantida entre as turmas que participaram das atividades do Programa Natureza, dentro da IX Feira Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Exposição – O Belém+30 terminou na última sexta-feira (10), mas a exposição "Os Kayapó e Yairati. Saberes e lutas compartilhadas" pode ser visitada até dezembro, no Pavilhão Domingos Soares Ferreira Penna (Rocinha), dentro do Parque Zoobotânico.

O povo indígena Mebêngôkre-Kayapó somam hoje mais de 11 mil indivíduos habitando um território que inclui ambas as margens do rio Xingu, no Pará, e o norte do Mato Grosso. Entre ambientes de floresta e cerrado, os diversos grupos da etnia, falante de uma língua do tronco Jê, ocupam uma área altamente impactada pela agroindústria, pecuária, mineração e projetos hidrelétricos, como a Usina de Belo Monte. Esse povo milenar e guerreiro é o foco da exposição que resgata ainda o legado científico, político e jurídico do Projeto Kayapó, um amplo estudo multidisciplinar coordenado pelo biólogo e antropólogo Darrell Posey (1947-2001), conhecido entre os Mebêngôkre como Yairati. Para saber mais, acesse o link