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Agência de Notícias

Tradição de fazer cuias no Baixo Amazonas vira patrimônio cultural

Lucia Hussak van Velthem, pesquisadora associada do Museu Goeldi, escreveu o parecer aprovado pelo IPHAN
publicado: 26/06/2015 11h30, última modificação: 23/02/2018 10h26

Agência Museu Goeldi - Quem mora no Norte do país, conhece, tem em casa ou, no mínimo, já se serviu de uma delas. Pretas, lustrosas e com diversos formatos e gravuras “floradas” em suas superfícies, as cuias são onipresentes no comer, no “banhar”, no celebrar e até mesmo no vestir. Dentro delas cabem história, religiosidade, economia e nutrição. Neste mês de junho, o Conselho Consultivo do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) reconheceu essa tradição e inscreveu no Livro de Registro dos Saberes o“Modo de Fazer Cuias no Baixo Amazonas” como relevante forma de expressão da cultura brasileira.

O parecer foi redigido pela conselheira Lucia Hussak van Velthem, antropóloga, ex-curadora da Coleção Etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), atualmente integrante da equipe do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI.O processo para incluir o modo de fazer cuias no Baixo Amazonas dentre os patrimônios culturais do país teve início em 2003 através de projetos do Museu de Folclore Edison Carneiro do Rio de Janeiro. O acervo da reserva etnográfica do Museu Goeldi, que preserva peças históricas dos povos amazônicos, forneceu subsídios no processo de estudo para elaborar o parecer favorável.

Tradição das pinta-cuias - As cuias ornadas são feitas há mais de dois séculos no Baixo Amazonas, estado do Pará. Um fazer que foi transportado no tempo por mãos femininas. São as mulheres que, principalmente, se encarregam do ofício de transformar os grandes e redondos frutos da cuieira(Crescentiacujete), planta que fornece a matéria prima, em recipientes resistentes e bonitos.A produção de cuias atualmente se concentra em comunidades de Santarém e Monte Alegre -  os cidadãos deste último município, inclusive, são conhecidos como “pintacuias”.

Cuia pra quê? –  A cuia, que no Sul do Brasil e em outros países da América Latina é preenchida com o chimarrão, na Amazônia guarda o tacacá, o açaí e outras comidas e líquidos, isso só pra falar na alimentação. Ela está lá também nos afazeres domésticos de centenas de lares ribeirinhos, na coleta da água dos rios, para tomar banho, desafogar as canoas e “voadeiras”. É um utensílio para mulheres e homens.

Como fazer - Além do uso, o que distingue as cuias do Baixo Amazonas das demais é o seu modo especial de confecção. Usando técnicas tradicionais, reproduzidas e adaptadas de saberes indígenas, as artesãs escolhem os melhores frutos da cuieira, retiram o miolo e os dividem em metades, que são as estruturas das cuias. Estas são lavadas, raspadas com escamas de pirarucu ou folhas de embaúba(tipos de árvore do gênero Cecropia), e expostas ao sol até ficarem com um aspecto liso, interna e externamente.

Aí entra outro elemento natural que dá a coloração escura à cuia: o cumatê, pigmento da planta cumatezeiro (Myrciam Atramentifera). A tintura é pincelada na cabaça por diversas vezes e depois da fixação a superfície está pronta para receber os desenhos, talhados no “couro” da cuia com pontas de faca ou outros instrumentos cortantes. As gravuras mais frequentes são motivos florais, representações da fauna regional e grafismos tapajônicos, também denominados de “indígenas”. Os grafismos inspiram-se na cerâmica arqueológica, originária do povo Tapajó, preservada em museus brasileiros. Sua utilização atual se insere em um amplo processo de valorização do legado arqueológico no município de Santarém. 

Lúcia Hussak van Velthem – Antropóloga e museóloga, Lúcia van Velthem também foi responsável pelo parecer que inscreveu o Carimbó no Livro de Registro das Formas de Expressão do IPHAN, em 2014 e colaborou na redação do dossiê sobre o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, registrado em 2010.  A pesquisadora lembra ainda de outras expressões culturais paraenses que recentemente foram reconhecidas pela instituição, como as Festividades do Glorioso São Sebastião, em 2013, e o Círio de Nazaré, em 2004:  “Todos esses processos exitosos revelam a riqueza e a diversidade das manifestações culturais imateriais, notadamente as de cunho religioso e lúdico do Estado do Pará”, afirma.

 

Texto: João Cunha