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Agência de Notícias

Um Parque Zoobotânico numa Belém de tensões e mudanças

Pesquisa premiada de iniciação científica analisa processos de segregação urbana da capital paraense e a origem do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Os autores do estudo reuniram e sistematizaram documentação importante do período de 1895 a 1941, acessando diversas fontes encontradas em bibliotecas e arquivos públicos.
publicado: 12/08/2019 15h30, última modificação: 12/08/2019 15h43

Agência Museu Goeldi – A atual composição da fauna, flora, prédios e monumentos do Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) acomoda segredos centenários, que a análise criteriosa de documentos salvaguardados em arquivos e bibliotecas públicas do Pará conseguiu desvendar. Sob a orientação do pesquisador Nelson Sanjad, o bolsista de iniciação científica do Museu Goeldi, Diego Guimarães Leal, desenvolveu o projeto “Expropriação, litígio e ressignificação espacial na gênese do Parque Zoobotânico do Museu Paraense de História Natural e Etnografia (1895-1941)”. A pesquisa do estudante de História da Universidade Federal do Pará (UFPA) foi premiada no Seminário de Iniciação Científica do MPEG em 2019.

Diego tem uma relação emotiva com os 5,4 hectares do Zoobotânico, que reúne coleções vivas da fauna e flora e um conjunto expressivo de monumentos, instalado no que é hoje o centro urbano da cidade de Belém. Os primeiros contatos com o tema de sua pesquisa foram instigados pela leitura do livro A Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República, que ele conheceu ao visitar a Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna, no Campus de Pesquisa do Museu Goeldi. O próximo passo foi ter uma entrevista com Nelson Sanjad, autor da obra mencionada e que viria a ser seu orientador. “Ao folhear as primeiras páginas deste livro, fiquei profundamente fascinado, porque não tinha a mínima ideia de como tinha sido construído o Parque Zoobotânico”, lembra o bolsista.

Alinhamento de calçadas.png

Pesquisa documental – Diego Leal percorreu os arquivos do Centro de Memória da Amazônia (CMA); do Arquivo Público do Estado do Pará (Apep); do Arquivo Guilherme de La Penha e da Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna, ambos no Museu Goeldi; da Biblioteca Central da UFPA; e da Biblioteca Pública Arthur Vianna, vinculada à Fundação Cultural do Pará. Ele consultou cartas, ofícios, relatórios de governo, boletins do próprio Museu Goeldi, inventários post-mortem, telegramas, projetos paisagísticos, plantas baixas, notícias de jornais, bibliografias, leis e decretos, imagens impressas e fotografias, e montou um fascinante quebra-cabeça de informações.

“Em minha análise, os discursos políticos, no período republicano, pretendiam alcançar três resultados básicos: reformar o povo através do ensino público, incluir noções de civilidade e desenvolver o sentimento patriótico. Isso só poderia ser alcançado por meio do esforço conjunto e integrado entre o governo estadual e federal, com vistas a investir na prática da pesquisa científica na Amazônia, como foi o caso do Museu Paraense Emílio Goeldi”, resume Diego, referindo-se à instituição denominada, à época, Museu Paraense de História Natural e Etnografia. A medida era uma forma de prevenção de revoltas populares que ocorreram durante o regime monárquico, a exemplo da Cabanagem, no Pará, acrescenta.

Expropriação – Para conquistar seus objetivos, o Estado determinou como área de utilidade pública as terras que hoje abrigam o Parque Zoobotânico. Naquele momento, era possível observar habitações de famílias abastadas, a exemplo da casa do coronel Bento José da Silva Santos, hoje conhecida como Rocinha do Museu Goeldi. Ela era uma das residências mais nobres da periferia. Por outro lado, havia casarios mais simples pertencentes a outras famílias. O decreto de número 499, de 15 de maio de 1897, obrigou os moradores a se retirarem do espaço em caráter de urgência. Teve início, então, a composição fundiária do Parque por meio da agregação de diversos lotes e edificações. Os últimos lotes só foram incorporados em 1941, com a intervenção do Governo Federal. “Os discursos políticos garantiram os créditos necessários para o pagamento de indenizações aos moradores, além de verbas aprovadas anualmente para as despesas com os dois anexos do Parque (zoológico e horto botânico) e dos investimentos feitos em obras no espaço museal, tendo em vista transformar casas e terrenos em laboratórios, oficinas de taxidermia e herborização, jardins de experiências e muitos outros”, identifica Diego.

Lagos e tanques.png

Os documentos revelam personagens envolvidos no processo de expropriação, litígio e construção de novos significados para o Parque do Goeldi, entre eles, diretores e funcionários da instituição; proprietários de casas e terrenos; vereadores; deputados; senadores; governadores e intendentes municipais; engenheiros e peritos; agrimensor de obras públicas; secretários de estado; tesoureiros, interventores; presidente da república; e visitantes. Todos imbrincados numa relação marcada por tensões.

Política urbanística – Nelson Sanjad destaca duas questões essenciais demonstradas pelo estudo. Por um lado, “dá visibilidade, pela primeira vez, aos sujeitos que foram ignorados pela História, a saber, os moradores que ocupavam aquele quarteirão e foram de lá retirados para que o Parque pudesse ser construído”. Por outro, “reconstitui um pedacinho da cidade que existia antes da construção do Parque, ressaltando os modos de morar na Belém do final do século XIX e também mostrando como aquela área foi sendo transformada entre 1895 e a década de 1940”. O trabalho de Diego evidencia o que poucos visitantes sabem: toda a riqueza concentrada no Parque Zoobotânico não é um fragmento original de floresta, mas, sim, uma área plantada, um jardim botânico casado com um zoológico, erguido ao longo de gerações.

Esquina do Parque Zoobotânico.png

Sanjad reitera como a política urbanística do Estado era, notadamente, segregadora ao pontuar a expulsão da população mais pobre da área – e até a eliminação das matas ao redor – justificadas à época com a retórica da falta de adequação à vizinhança do Museu. “Foram os casos de uma taberna, onde provavelmente se dançava o carimbó e o lundu, e de algumas casas simples”, exemplifica Nelson, pois estas foram consideradas um ‘atentado à estética’.

A pesquisa histórica revela a violência estatal ocorrida durante o processo de instalação do Parque do Museu Goeldi, que hoje se constitui em um vestígio da cidade arborizada que existiu no início do século XX e também em um lugar com uma trilha que rememora a relação das religiões afro-amazônicas com os elementos da natureza.

Com densa trajetória de investigação sobre a relação do Museu Goeldi e seu Parque com a cidade de Belém, Nelson Sanjad ressalta que “o carinho que a população de Belém tem pelo Museu Goeldi é datado: foi originado, precisamente, com a construção do Parque Zoobotânico a partir de 1895 (antes disso havia pouco ou nenhum interesse pelo Museu, que chegou a ser extinto pelo governo provincial em 1889)”. O pesquisador identifica o interesse da população pelo Parque Zoobotânico tanto nos expressivos índices de visitação, cerca de 400 mil pessoas por ano, quanto na cobertura jornalística, nas manifestações por meio da literatura, da música, do cinema, das artes plásticas, das histórias familiares, da memória de cada habitante antigo da cidade. “É fundamental entender essa relação para uma boa gestão do Parque, inclusive do ponto de vista histórico, arquitetônico e paisagístico”, defende.

PIBIC e PIBITI – São programas fomentados pelo CNPq/MCTIC para estimular a iniciação científica e tecnológica de alunos de graduação. Na edição 2019, 91 estudantes universitários de diversos cursos no Pará foram beneficiados com as bolsas de financiamento no Museu Goeldi, sendo 87 pelo PIBIC e quatro pelo PIBITIDoze deles foram premiados com o primeiro, segundo e terceiros lugares de cada uma das quatro áreas do conhecimento. Diego Leal ficou em primeiro lugar na área das Ciências Humanas. As bolsas correspondentes ao ano de 2019 vigoram a partir deste mês de agosto.

O PIBIC tem como objetivo despertar vocações científicas e incentivar talentos potenciais, possibilitar o domínio do método científico e desenvolver o pensar e a criatividade do jovem universitário para a pesquisa na Amazônia, contribuindo de forma decisiva para otimizar o ingresso dos alunos na pós-graduação. O PIBIC visa estimular os jovens do ensino superior nas atividades, metodologias, conhecimentos e práticas próprias ao desenvolvimento tecnológico e processos de inovação.

 

Texto: Erika Morhy